Sem Sacada
Caminho observando a rua, as pessoas que por
ela caminham apressadas, o barulho, a poluição, o vai e vem dos carros, as
luzes de natal que pintam e colorem a cidade nesta época do ano. Até os prédios
parecem ter mais vida nessa época. Os prédios, altos prédios, erguem-se em
direção ao céu – este que quase não se pode ver aqui de baixo. São grandes
caixas cheias de gente. Depósito de gente? Estariam ali apenas de passagem, ou
passam o dia trancados em seus “lares” de concreto e metal? Os prédios... Um
retângulo enorme, com alguns buracos os quais chamam de janelas... Quantas
almas cabem em um único prédio desses? Certa vez me contaram que as caixas das
abelhas – aquelas feitas de madeira que servem para as abelhas fazerem seus
ninhos e fabricarem o mel – foram elaboradas a partir da observação de alguém
que as cultivava. Tal homem observou que as abelhas precisam de um certo
espaço, pequeno espaço, apenas para entrar e sair com conforto, movimentarem-se
apenas o suficiente dentro do ninho, para então, fazer o mel com maior
produtividade. Essa descoberta chama-se espaço abelha e revolucionou a
arquitetura das caixas que esse homem desenvolveu, as quais são utilizadas até
hoje no mundo inteiro e se tornaram um padrão para quem quer produzir mel. Acho
que os engenheiros hoje em dia descobriram esse tal ‘espaço homem’, quão
pequenos são os apartamentos, permitem apenas que você entre e saia com
conforto, porém não permitem que você possa movimentar-se com liberdade dentro
deles.
É, os prédios são grandes caixas de homens.
Protegem da chuva, frio, calor e também dos outros e até de você mesmo. Você
conhece todos os seus vizinhos de todos os andares? Claro que não! Todos passam
seu pouco tempo trancados, cada um seu apartamento, tentando isolar-se o máximo
possível daquele mundo brutal que se apresenta lá em baixo, na terra firme. Tal
isolamento é tanto, que os prédios não possuem mais sacadas. O mais perto que
você pode chegar do lado de fora é observando pela janela. Por que os prédios
não têm mais sacadas? Ora, você pode me dizer, alguns prédios têm grandes e
belas sacadas, alguns prédios antigos possuem sacadas bem amigáveis inclusive!
Sim, alguns prédios ainda as possuem, porém são poucos, cada vez menos, cada
vez se distanciando mais e mais da vida, do fora, do natural! Os prédios novos
com sacada custam muito caro. Para ter o direito de ter uma sacada, uma vista
mais próxima do real, você precisa merecer e só merece quem tem dinheiro. Os
prédios antigos com sacada geralmente possuem diversos problemas internos, na
sua estrutura, não te dão uma real segurança, já estão velhos demais e com isso
os problemas acumulam-se pela rede elétrica e encanamentos.
Áh! Tudo que eu queria era poder voltar para
o meu apartamento e encontrar uma cortina branca e fina, balançando com o vento
que entra da fresta da porta da sacada – que eu deixei propositalmente aberta
para melhorar a ventilação – e através do tecido fino ver passar a luz amarela
e fraca dos últimos raios de sol do dia. Isso certamente deixaria minha vida
mais feliz. Todo e qualquer male do dia passaria imediatamente ao ver tal cena.
Ao entrar em casa saberia que lá estaria o meu pequeno oásis de prazer, todos
os problemas ficariam da porta de entrada para fora! Seria o meu local
intocável de descanso, leitura e sossego. Seria um lar. Mas não, eu não tenho
uma sacada!
Enquanto isso, vou me aproximando do meu
apartamento e me lembro que ao abrir a porta, sentirei um cheiro que é um misto
de pó, poluição e aquele creme de barbear que passei hoje pela manhã. Os móveis
estarão naquele mesmo lugar, carregando seus inúteis objetos, todos no mesmo
lugar. Isso me faz lembrar a casa da minha avó. Desde que eu era menino, toda
vez que a visitava os objetos estavam no mesmo lugar. O sofá, uma estante cheia
de objetos que ninguém sequer os via, aquele vaso de vidro verde com uma flor
desbotada de plástico que posavam em cima de uma toalhinha de crochê engomada.
Até hoje é assim, as mesmas coisas, nos mesmos lugares, aquele cheiro de velho
e café passado. Móveis inúteis! Nada daquilo ali me é útil, eles apenas existem
para tentar preencher o vazio, mas nem isso eles conseguem.
Tudo seria diferente se eu ao menos eu
tivesse uma sacada! Eu ficaria mais livre dentro de casa, tudo teria mais cor e
luz, eu poderia ter flores ou plantas na sacada! Poderia colocar uma rede ou
uma cadeira confortável! Poderia observar os passantes, pequenininhos, lá em
baixo. Poderia ver as estrelas, as mudanças de lua, sentir o vento frio do
inverno, tomar um vinho e até – com um pouco de sorte - beijar uma garota...
Até aquele meu velho aparelho 5 em 1 teria algum sentido em existir, poderia
comprar uns discos novos, ou ouvir aqueles velhos, sentado na minha sacada na
hora do jantar. Quem sabe, nas noites de verão observando o céu e sentindo o
calor da brisa noturna, pudesse conhecer algum vizinho e iniciar uma boa
conversa de sacada. Sem dúvida eu teria uma vida melhor!
Os dias passam, jornais e mais jornais lotam
a minha mesa de trabalho, sites de imobiliárias as abas do meu navegador: “Lindo apartamento com ótima localização,
quarto com suíte, cozinha completa, ampla sala de estar...” Mas não tem
sacada! Eu só quero uma sacada! Um colega de trabalho me disse que eu não posso
ter pressa, que sacadas são mesmo raras, mas que uma hora aparece, não devo
desistir. Deste dia já se passaram 6 meses, e nada da minha sacada. Os
corretores já não atendem mais meus telefonemas, dado ao tamanho da insistência
da minha procura.
O natal está chegando e eu ainda não consegui
a minha sacada. Já não sou mais criança para pedir ao Papai Noel, mas confesso
que passou pela minha cabeça, tamanho o meu desespero. A sensação de
desconforto ao voltar para o meu apartamento incomoda tanto, que dou longas
caminhadas, tão longas a ponto de me sentir exausto, apenas para chegar e
dormir. Não quero que o ano termine sem que eu consiga encontrar a minha
felicidade, a minha real felicidade, o meu oásis prazer. Não quero ser mais uma
abelha na caixa, quero ser livre, quero poder ver o lado de fora, sentir o lado
de fora! ÁHHH! Seria pedir demais apenas um pouco de liberdade?! Amanhã é o
último dia do ano, no próximo, terei minha sacada.
“Homem
maluco quebra parede de prédio com uma marreta nas primeiras horas do novo ano.
Ao ser levado pelos policias, vizinhos assustados comentaram que enquanto ele
quebrava a parede, ele gargalhava e gritava: ‘Agora eu tenho uma sacada!’”